“Faça a sua dor dançar”: e se eu aceitar a dança e desistir de lutar contra o sofrimento?

Vai sem direção, vai ser livre
A tristeza não, não resiste
Solte os seus cabelos ao vento, não olhe pra trás
Ouça o barulhinho que o tempo no seu peito faz
Faça sua dor dançar, atenção para escutar esse movimento que traz paz
Cada folha que cair, cada nuvem que passar
Ouve a terra respirar pelas portas e janelas das casas
Atenção para escutar o que você quer saber de verdad
e

(O que você quer saber de verdade – Marisa Monte)

Estamos tentando lidar com experiências difíceis e dolorosas praticamente a todo tempo — e há muito tempo também. A principal estratégia que utilizamos é lutar contra elas na tentativa de eliminá-las. A luta é extenuante. Estamos todos cansados de perder essa luta, porque as emoções e pensamentos negativos permanecem — ou somem por um tempo bem breve — e depois retornam. E se fizéssemos algo que ainda não tentamos? E se parássemos de lutar contra essas experiências dolorosas? Desistir dessa luta pode ser a coisa mais sábia a fazer às vezes. Desistir aqui combina com coragem. Coragem para não desistir de nós mesmos e de encontrar mais lucidez e clareza diante das experiências, abrindo o espaço emocional para outras possibilidades. Não se trata de buscar experiências difíceis ou desejar sofrer. O caminho alternativo é através da aceitação. Reconhecemos que as emoções dolorosas são inevitáveis na vida. As situações difíceis e não desejadas acontecem mesmo com as nossas tentativas de controlá-las, modificá-las ou evitar a todo custo que aconteçam. Lutar contra qualquer emoção ou pensamento os fortalece. Parece que eles voltam com mais força mesmo. Ao contrário, quando os aceitamos, o espaço emocional amplia-se. Levemente, orientamos o nosso olhar para outras emoções possíveis. Elas podem coexistir. Logo, percebemos que estamos, naturalmente, direcionando a nossa atenção para outras coisas significativas na vida. Não estamos presos à dor. Ficamos mais livres. O medo, a tristeza, a ansiedade… podem até estar ali ainda, mas também tem alegria, entusiasmo, coragem e tranquilidade.

A escritora Elizabeth Gilbert diz o seguinte em seu livro “Grande Magia – vida criativa sem medo” (recomendo a leitura!):

Decidi que seria necessário construir uma vida interior ampla o suficiente para que meu medo e minha criatividade pudessem coexistir de modo pacífico, uma vez que, ao que tudo indica, estariam sempre juntos (…) Então, não tento aniquilar meu medo. Não declaro guerra contra ele. Em vez disso, dou-lhe bastante espaço. Um espaço enorme. Todos os dias. Estou dando espaço para o mesmo neste exato momento. Permito que meu medo viva, respire e estique as pernas confortavelmente. Parece-me que quanto menos luto contra meu medo, menos ele contra-ataca. Quando consigo relaxar, o medo relaxa também. Na verdade, convido o medo a vir comigo aonde quer que eu vá. Tenho até um discurso acolhedor preparado para ele, que faço pouco antes de embarcar em um novo projeto ou em uma nova aventura.

É mais ou menos assim: ‘Querido medo, a Criatividade e eu estamos prestes a pegar a estrada juntas. Sei que você virá conosco, pois sempre o faz. (…) Há espaço suficiente no carro para todos nós, então fique à vontade, mas entenda uma coisa: a Criatividade e eu somos as únicas que vamos tomar decisões durante o percurso. (…) Você não pode tocar nos mapas; não pode sugerir desvios de rota, não pode mudar a temperatura do ar condicionado. Cara, nem encoste no rádio. Mas acima de tudo, meu querido e velho amigo, você está terminantemente proibido de dirigir.’E lá vamos nós, – eu, minha criatividade e e meu medo – lado a  lado para sempre, avançando mais uma vez na direção do território assustador, porém maravilhoso, do resultado incerto.

Elizabeth Gilbert

Este trecho está totalmente consonante com a proposta das Terapias de 3ª geração em Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) e é uma das formas mais eficazes de regulação emocional baseada em mindfulness e aceitação.

Marcia Baja, em um curso no CEBB, com o tema “O calmo repousar”, diz o seguinte citando os ensinamentos que aprendeu:

Quando aparecerem os seus demônios, pule na boca do demônio e peça pra ele te mastigar bem devagarzinho… É você sentir medo (ou qualquer emoção) e ficar no coração do medo, entregue, só respirando com as sensações… você até diz pra ele ‘faça o que você quiser… eu estou aqui quietinha’… e daí não vai acontecer nada… isso é que é lindo, porque não tem demônio, o medo ganha a cara de demônio porque você se mexe e sai correndo dele, você nunca olhou pra face dele. Quando você olha pra face do seu medo, você encontra espaço e energia… e imediatamente uma consciência que sorri… ‘Ah, era só isso!’…

Marcia Baja

A alternativa diante de tanto sofrimento é, então, abrir-se para o que quer que surja no campo da nossa consciência, sem julgamentos, sem lutar desnecessariamente, adotando a postura de observador. O próximo passo, que ocorre quase automaticamente, é nos movermos na direção do que mais importa para nós. Podemos adotar comportamentos que nos aproximam dessas coisas importantes, mesmo que o mundo interno não esteja totalmente tranquilo e na “condição ideal”. O nosso mundo interno é bem mais amplo do que imaginamos. E as consequências de desistir de lutar contra experiências dolorosas podem ser surpreendentes.

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