O que a tristeza está tentando nos dizer

“Mordida, a pele fica ferida
Prossiga no rastro, no pasto e siga a vida.
Por fim, a tristeza é amiga da onça
Ensina a enfrentar leões”
(Trecho de “Dragão” — Karina Buhr)
Ao enfrentar uma situação difícil, um turbilhão de emoções pode vir à tona. Após o término de um relacionamento, por exemplo, pode-se sentir tristeza, raiva, ansiedade, preocupação, culpa, medo, angústia, alívio, liberdade, dor, ciúme, inveja, confusão, saudade… entre tantos outros sentimentos.
Maria acabou de terminar o relacionamento. Sente-se profundamente triste e com raiva, sente também medo e até um pouco de alívio, apesar da saudade dos momentos bons. Mas ela acha que essas emoções não fazem sentido e pensa que outras pessoas reagiriam de forma diferente e até superariam mais rápido. Considera que deveria apenas sentir raiva e que a tristeza que está sentindo significa que ela é fraca e dependente. Sente vergonha de compartilhar esses sentimentos até mesmo com amigos próximos: “Eles não compreenderiam. Eles vão me achar uma idiota por continuar pensando no Pedro mesmo depois de tudo o que ele fez comigo. Eles estavam certos quando diziam que eu gostava de sofrer… como eu ainda posso amá-lo?”. Maria começa a isolar-se, recusa encontros com amigos, começa a beber todos os dias e simplesmente não consegue parar de pensar nessa situação por mais que tente de todas as formas. Até tenta começar a ver a série que todo mundo está amando, mas não se concentra, não vê a mínima graça, só consegue ruminar o que aconteceu. Anda faltando o estágio, o que não fazia antes, e terminar a monografia parece impossível.
Todos sentimos tristeza… Mas uma pergunta importante é: o que você faz, pensa ou sente após ter determinada emoção?
Quando se sente triste, você tenta suprimir esse sentimento a todo custo sem sucesso, evita falar sobre o assunto, ingere bebidas alcoólicas compulsivamente ou “desconta na comida”? Ou busca apoio emocional de pessoas confiáveis e sente que foi compreendido e obteve suporte?
Sente-se sobrecarregado e culpado por estar triste? Ou considera que a tristeza é normal, apesar de estar sendo difícil suportá-la?
Sabe que ela é temporária ou acha que durará para sempre?
Lembra de outras situações em que se sentiu de forma parecida e conseguiu superar e se dá conta que foi você quem superou e, portanto, pode superar dessa vez também? Ou se sente completamente incapaz de lidar com tanto sofrimento?
Nossos ancestrais, ao “enfrentar leões”, de forma adaptativa, lutavam, fugiam ou até “congelavam”. Diante de uma situação difícil, as emoções dolorosas nos alertam sobre perigos e evidenciam as nossas necessidades. São reações de sobrevivência. Portanto, embora tenhamos o hábito de separar as emoções em positivas ou negativas, percebemos que, na verdade, elas só são desagradáveis ou agradáveis, mas todas são adaptativas no sentido evolutivo.
Reações de fuga e esquiva diante de emoções dolorosas são completamente normais. Entretanto, essas estratégias acabam mantendo o problema. O que acontece é que quanto mais tentamos fazer com que alguns pensamentos, sentimentos, imagens ou acontecimentos não nos incomodem, mais nos sentimos incomodados. Tentar suprimir um sentimento ou pensamento desagradável, não faz com que eles desapareçam. Daniel Wegner exemplificou muito bem isso com o experimento do urso branco. Que tal parar um pouquinho e fazer esse experimento? É bem rápido.
Imagine um urso branco. Agora, durante um minuto, pense em qualquer coisa que queira, mas não pense no urso branco! Conte cada vez que o urso branco vier à sua mente nesse período.
E aí? Quantos ursos brancos surgiram? Nesse experimento simples, percebemos que a imagem do urso branco vem à nossa mente sem pedir permissão justamente porque tentamos suprimi-la. Ao tentarmos não pensar em algo, precisamos de um esforço mental para o monitoramento dos processos cognitivos. Como parte da atividade cognitiva envolvida nesse processo, acabamos nos concentrando justamente na imagem que queríamos evitar.
Segundo o pesquisador Stefan G. Hofmann, vários transtornos psiquiátricos estão relacionados a tentativas ineficazes de regular experiências indesejadas. Nesse sentido, é sempre importante alertar sobre a diferença entre tristeza e Depressão. A tristeza é apenas um sentimento. A Depressão é um transtorno de humor (o nome técnico é “Transtorno Depressivo Maior”), engloba um conjunto de pensamentos, sentimentos, comportamentos e experiências e necessita de acompanhamento psicológico e psiquiátrico adequado.
Tenho algumas dicas para você:
Primeiro, não pense que você é fraco por achar que não está “lutando” diante de um problema só porque está fugindo, evitando ou tentando suprimir uma emoção desagradável. Como você viu, todas essas formas de enfrentamento são comuns e possíveis.
Procure identificar que sentimentos você tem, o que você pensa sobre eles, como os julga, e o que você faz a partir disso.
Sempre é tempo para perceber o que um sentimento desagradável está tentando nos dizer e ensinar a enfrentar… Mesmo ferido, prossiga entendendo o que Karina Buhr expressou tão bem nos versos “a tristeza é amiga da onça, ensina a enfrentar leões…”.
A aceitação da emoção é o primeiro passo. Parece contraditório encarar a tristeza como “amiga”. Mas entender-se e acolher-se é fundamental. Aceitar a tristeza não implica qualificá-la como boa, agradável, mas apenas perceber que é uma experiência sendo vivenciada naquele determinado momento. As emoções são temporárias. As tentativas de supressão das emoções, a luta interna para livrar-se delas e não a aceitação das mesmas é que fazem com que elas perdurem.
Aceitar a tristeza não significa que você está aceitando senti-la para sempre ou que está preso a ela sem fazer nada a respeito. Olhar a chuva, sentir os pingos de chuva e aceitar que está chovendo não significa não abrir o guarda-chuva (embora eu adore banhos de chuva). Significa sair do automático, parar um pouco e se dar conta, por exemplo, que a tristeza está ali indicando que preciso de acolhimento, ser querida, ser amada e valorizada e encontrar formas práticas e saudáveis de conseguir isso. No caso de Maria, não significa que a tristeza acabará só se o seu relacionamento voltar, já que há muitas formas de se sentir amada e ter as suas necessidades emocionais daquele momento satisfeitas.

Falando em chuva e, como sempre, em música, o Marcelo Jeneci tem uma música belíssima chamada “Felicidade”, que contém o verso “dançar na chuva quando a chuva vem”. Acho que é isso. Reconhecer e possibilitar que as mais variadas emoções tenham lugar leva à construção de um significado e ao redirecionamento natural da atenção para coisas que valorizamos, facilitando a escolha de estratégias mais flexíveis.
Com a aceitação, fica um pouco mais fácil encontrar formas mais úteis e adaptativas de lidar com a experiência emocional desagradável e “enfrentar leões”.